O início, e a escolha do fim

Quando eu era bem criança, gostava de me fechar no meu quarto e brincar com bonecos... Cada voz em minha cabeça era um. Eu colocava eles pra brigar, conversar, dividia em times...
Quando fiquei mais velho, descobri os livros. Dei a cada voz um personagem, e me perdia entre as linhas, belas palavras, narradas e interpretadas por meus demônios.
Depois veio a internet, e com ela os jogos pra me distrair das incessantes tramas da minha mente... Veio também mais livros, e-books que sempre se renovavam, aumentando meu mundo interior e me afastando cada vez mais do exterior.
Veio o bulling, e as vozes ganhavam força. Desejos assassinos, conhecimento das leis, planos para torturar e matar sem ser descoberto. Veio o embotamento emocional, o distanciamento cada vez maior das pessoas. Vieram, com força, os pensamentos suicidas, o ódio por mim mesmo, e pelos outros.
Mais tarde, com mais liberdade, veio o desejo... O desejo de testar meus limites. De me embriagar, de me drogar, de fugir da realidade (e das vozes) com tudo que fosse destrutivo... Quando descobri que as drogas eram instáveis, podiam calar ou faze-las gritarem. Foi também quando aprendi a manipular, a dizer o que as pessoas queriam ouvir. Quando aprendi que amigos falsos poderiam ser usados pra distrair as vozes. Que ficar louco acompanhado era melhor do que sozinho...
E então se instaurou a escuridão. O ódio pela minha timidez, a capacidade de parecer apenas mais um, os gracejos da manipulação, a falta de empatia, a soberba medida exatamente para levar os outros a competirem... Eu me tornei aquele que era o mais insensato, me tornei a desculpa perfeita para aqueles que queriam  mas precisavam de... um empurrãozinho...

Me tornei um monstro.

Mas encontrei uma luz... E por essa luz lutei cada a segundo contra as vozes, contra a escuridão, contra a capacidade que levar as mentes fracas junto à minha destruição...
E por um longo tempo ganhei as lutas diárias. Minuto a minuto. Segundo a segundo. Silenciei as vozes, tranquei a escuridão, desenterrei os sentimentos.

Tive esperança. Tive um futuro.

Mas a escuridão já tinha tomado minha alma. Tinha me feito oco. Tinha me matado em vida.
E não existia luz forte suficiente para combate-la, depois de anos tentando a esconder...
Mesmo conhecendo o monstro, a luz não se afastou. Ao contrário, a luz o abraçou. Aceitou-o. Amou-o. A luz ganhou um pouco de escuridão, e a escuridão ganhou um pouco de luz. Yin e Yang...
Mas a luz nunca pôde vencer as trevas. Quando um anjo e um demônio se apaixonam de verdade, a história nunca termina bem...
Começou então meu declínio. Minha luz conheceu todas as faces do monstro. E gostou. E me tornei, novamente, aquele que podia realizar os desejos mais sombrios, mostrar um novo mundo, oferecer liberdade... Em troca de luz...
Pouco a pouco, a luz perdeu forças. E o monstro mais uma vez venceu. Matou a luz, pouco a pouco, testando limites, oferecendo liberdade...

Conheci o que era o desespero.

Como uma represa arrebentando, com a morte da luz tudo voltou. As vozes. O suicídio. O ódio. Agora muito mais fortes, alimentados pelo desespero.
Me isolei, cada vez mais. Nada mais podia distrair as vozes. Nada mais me dava prazer.
A loucura bateu. Toc, toc. Toc, toc. Eu abri uma fresta para ela, e desde então, luto pra tentar mante-la fora. As vezes consigo. Outras, não.

Perdi a capacidade de controlar. Agora sou apenas... Assustador...

Cheguei a conhecer novas luzes. Algumas distantes, fugazes. Uma em especial, bela e brilhante... Tentei alcança-la, apelas pra descobrir que a escuridão é maior. Em pouco tempo, transformei a luz em sombras, a puxei para a escuridão e quase a matei. Quase.
Não gosto da solidão. Não a suporto. Com ela vem as piores vozes, aquelas que não são mais as minhas, mas sim as do próprio abismo.

Mas ainda me lembro daquela luz que apaguei.

Resolvi então me entregar de vez as trevas, e afastar toda e qualquer esperança do meu coração. Tudo que minha alma toca, apodrece, e eu não aguentarei mais culpa, mais fantasmas pra me atormentar.
Não tenho mais o direito de desejar ter a luz...
Só preciso cumprir um ultima promessa. E estarei finalmente livre.

Livre para destruir a escuridão.

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